Grupo de 22 policiais matou 1 em cada 5 vítimas da PM na cidade de SP
Levantamento do Metrópoles descobriu que 0,07% do efetivo da PM na capital é responsável por 21% das mortes cometidas por policiais em SP
atualizado
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Um grupo de apenas 22 policiais militares, que corresponde a 0,07% de todo o efetivo da Polícia Militar na cidade de São Paulo — 31 mil agentes —, foi responsável por ao menos 52 mortes na capital em 2024. O número equivale a uma em cada cinco vítimas fatais da PM neste período na capital, que chegaram a 246.
As informações foram obtidas pelo Metrópoles a partir da análise dos documentos de todas as mortes por intervenção policial na cidade no ano ado, o mais letal da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP). Os dados estão reunidos na reportagem especial “A política da bala“, publicada nessa terça-feira (10/10).
O levantamento mostra que o número de PMs que mataram ao menos uma pessoa no período foi 403. Entre eles, há 19 policiais militares que mataram mais de uma vítima, em uma ou mais ocorrências. Dois agentes mataram três, e um único policial tirou a vida de cinco pessoas.
O grupo responsável por 21% das mortes cometidas por PMs em 2024 é composto por dois tenentes, 14 soldados, três sargentos e dois cabos. Entre os 22 policiais, estão ao menos cinco que, em alguma das ocorrências, integravam o 16º Batalhão Metropolitano.
A unidade, localizada na zona sul de São Paulo, atende ocorrências da região de maior desigualdade social da cidade, entre os bairros do Morumbi e Paraisópolis. Foi no distrito policial da região, o 89º DP, onde houve o maior número de mortes por PMs: 14 no total.
Cavalo de pau
Para a especialista em segurança Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, o discurso do governo Tarcísio pode afetar a atuação desses policiais.
“A liderança importa. Quando a gente olha a questão de uso da força pela polícia, a postura do gestor, do governador, do secretário importa. Se você tem visões mais linha-dura, que legitimam o uso mais elevado da força, isso impacta na tropa, na ponta da linha. As pesquisas mostram essa relação, porque o discurso legitima”, diz.
Ela lembra que quando o ex-governador João Doria (na época do PSDB) assumiu com um discurso mais linha-dura, a letalidade também aumentou. No entanto, as forças policiais presenciaram uma mudança radical de política. Em 2019, após a crise causada por uma ação violenta da PM em Paraisópolis, iniciou-se um trabalho de contenção da força policial que inclui as câmeras corporais, armas não letais e a discussão na polícia de cada operação com morte.
“Teve essa pressão pública, essa crise de imagem. E o Doria entendeu que não ia dar para sustentar uma polícia violenta. Foi aí que houve uma mudança na gestão da PM, teve uma troca de comando, e começou uma política de gestão de uso da força”, diz. “Na atual gestão do Tarcísio, teve um desmonte dessa política de uso da força”, completa.
Novato
Alguns agentes haviam acabado de entrar na polícia e se destacaram pela letalidade. É o caso do 2º tenente Ian Lopes de Lima, de 25 anos, que precisou de apenas 11 meses na Polícia Militar para atingir a marca de cinco mortes em ocorrências e se tornar o maior matador da corporação na cidade de São Paulo em 2024.
Apesar da pouca experiência, o tenente Ian Lopes, como é conhecido, conquistou rapidamente a confiança de seus superiores e, em abril do ano ado, quatro meses após se tornar oficial, já ocupava o posto de comandante noturno do 37º Batalhão Metropolitano, na região do Capão Redondo, zona sul da cidade. A partir das 22h, o efetivo de todas as companhias ficava sob sua responsabilidade.
Foi em abril, na madrugada do dia 12, que ele participou de seu primeiro homicídio. Durante patrulhamento no Jardim Ângela, a vítima, Marcos Aurélio Gomes Ferreira, de 31 anos, teria partido para cima de Ian Lopes com uma barra de ferro, em um aparente surto. O homem foi baleado nas nádegas, no abdômen e no braço esquerdo. Em depoimento, os PMs disseram que os três disparos foram necessários porque a arma de munição não letal, o taser, havia ficado na viatura.
Assim como Marcos Aurélio, suas outras quatro vítimas não atiraram. Enquanto isso, os policiais envolvidos nas ocorrências efetuaram ao menos 47 disparos. Ian Lopes foi o responsável por sete deles. Quatro de fuzil calibre 7.62 e três de pistola .40.
Cerca de dois meses depois, em junho, o oficial foi deslocado para o 10º Comando de Policiamento de Área da capital, também na zona sul. Lá, participou diretamente de mais quatro mortes. Apesar do grau de letalidade do tenente, não há indícios de que ele tenha sido afastado entre as ocorrências. A SSP afirma que o policial “permaneceu afastado de suas funções até dezembro de 2024 e, atualmente, cumpre estágio supervisionado pela instituição”.
O que diz a PM
A Polícia Militar repetiu ao Metrópoles que “não tolera desvios de conduta” e que, “como demonstração desse compromisso, desde o início da atual gestão, 463 policiais militares foram presos e 318 demitidos ou expulsos”.
Segundo a corporação, todas as mortes por policiais são investigadas com acompanhamento da Corregedoria e do Ministério Público. Além disso, o comunicado afirma que em todos os casos são instauradas comissões para identificar “não-conformidades”.
“A atual gestão investe em formação contínua do efetivo, capacitações práticas e teóricas, e na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo, como armas de incapacitação neuromuscular, com o objetivo de mitigar a letalidade policial”, diz a nota.